Castro Alves
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CENÁRIO
A alcova é fria e pequena
Abrindo sobre um jardim.
A tarde frouxa e serena
Já desmaia para o fim.
No centro um leito fechado
Deixa o longo cortinado
Sobre o tapete rolar...
Há, nas jarras deslumbrantes,
Camélias frias, brilhantes,
Lembrando a neve polar.
Livros esparsos por terra,
Uma harpa caída além;
E essa tristeza, que encerra
O asilo, onde sofre alguém.
Fitas, máscaras e flores
Não sei que vagos odores
Falam de amor e prazer.
Além da frouxa penumbra
Um vulto incerto ressumbra
— O vulto de uma mulher.
Vous, qui volez lá-bas, legères hirondelles
Dites-moi, dites-moi, pourquoi vais je mourir.
Alfred de Musset
MÁRIO
(no leito)
É tarde! é tarde! Abri-me estas cortinas
Deixai que a luz me acaricie a fronte!...
Ó sol, ó noivo das regiões divinas,
Suspende um pouco a luz neste horizonte!
SÍLVIA
(abrindo a janela)
Da noite o frio vento te regela
O mórbido suor...
MÁRIO
Oh! que me importa?
A tarde doura-me o suor da fronte...
— Último louro desta vida morta!
Crepusc’lo! mocidade! natureza!
Inundai de fulgor meu dia extremo...
Quero banhar-me em vagas de harmonia,
Como no lago se mergulha o remo!
E que amores que sonham as esferas!
A brisa é de volúpia um calafrio.
A estrela sai das folhas do infinito,
Sai dos musgos o verme luzidio...
Tudo que vive, que palpita e sente
Chama o par amoroso para a sombra.
O pombo arrula — preparando o ninho,
A abelha zumbe — preparando a alfombra.
As trevas rolam como as tranças negras,
Que a andaluza desmancha em mago enleio;
E entre rendas sutis surge medrosa
A lua plena, qual moreno seio.
Abre-se o ninho... o cálice.... o regaço...
Anfitrite, corando, aguarda o noivo...
(longa pausa)
E tu também esperas teu esposo,
Ó morte! Ó moça, que engrinalda o goivo!
SÍLVIA
(à meia voz, acompanhando-se na guitarra)
Dizem as moças galantes
Que as rolas são tão constantes...
Pois será?
Que morrendo-lhe os amantes,
Morrem de fome, arquejantes,
Quem dirá?
Dizem sábios arrogantes
Que nestas terras distantes,
Não por cá,
Sobre piras fumegantes
Morrem viúvas constantes,
Pois será?
Não creio nos navegantes
Nem nas histórias galantes,
Que há por lá.
Fome e fogueiras brilhantes
Cá não há...
Mas inda morrem amantes
De saudades lacerantes,
Quem dirá?
(aos últimos harpejos cai-lhe uma lágrima)
MÁRIO
(vendo-a chorar)
Sílvia! Deixa rolar sobre a guitarra,
Da lágrima a harmonia peregrina!
Sílvia! cantando — és a mulher formosa!
Sílvia! chorando — és a mulher divina!
Oh! lágrimas e pérolas! — aljôfares
Que rebentais no interno cataclismo,
Do oceano — este dédalo insondável!
Do coração — este profundo abismo!
Sílvia! dá-me a beber a gota d’água,
Nessa pálpebra roxa como o lírio...
Como lambe a gazela o brando orvalho
Nas largas folhas do deserto assírio.
E quando est’alma desdobrando as asas
Entrar do céu na região serena,
Como uma estrela eu levarei nos dedos
Teu pranto sideral, ó Madalena!...
SÍLVIA
(tem-se ajoelhado aos pés do leito)
Meus prantos sirvam apenas
Pra umedecer teus cabelos,
Como da corça nos velos
Fresco orvalho a resvalar!
Pra molhar a flor, que aspires
Rolem prantos de meus olhos,
Pra atravessar os escolhos
Meus prantos manda rolar!...
Meus prantos sirvam apenas
Pra a terra, em que tu pisares,
Pra a sede, em que te abrasares,
Terás meu sangue, Senhor!
Meus prantos são óleo humilde
Que eu derramo a tuas plantas...
(Mário estende-lhe os braços)
Mas se acaso me levantas
Meus prantos dizem-te amor!...
MÁRIO
(tendo-a contra o seio)
Sentir que a vida vai fugindo aos poucos
Como a luz, que desmaia no ocidente...
E boiar sobre as ondas do sepulcro,
Como Ofélia nas águas da corrente...
Sentir o sangue espadanar do peito
— Licor de morte — sobre a boca fria,
E meu lábio enxugar nos teus cabelos,
Como Rola nas tranças de Maria,
De teus braços fazer o diadema
De minha vida, que desmaia insana,
Esquecer o passado em teu regaço,
Como Byron aos pés da Italiana;
Em teu lábio molhado e perfumoso
O licor entornar de minha vida...
Escutar-te nas vascas da agonia,
Como Fausto as canções de Margarida!...
Eis como eu quero — na embriaguez da morte —
Do banquete no chão pender a fronte...
Inda a taça empunhando de teus beijos
Sob as rosas gentis de Anacreonte!...
(a noite tem descido pouco a pouco, o luar penetrando pela
alcova alumia o grupo dos amantes)
SÍLVIA
Que palidez, meu poeta,
Se estende na face tua!...
MÁRIO
São os raios descorados,
Os alvos raios da lua!
SÍLVIA
Mas um suor de agonia
Teu peito ardente tressua...
MÁRIO
São os orvalhos, que descem
Ao frio clarão da lua.
SÍLVIA
Que mancha é esta sangrenta,
Que no teu lábio flutua?
MÁRIO
São as sombras de uma nuvem
Que tolda a face da lua!
SÍLVIA.
Como teus dedos esfriam
Sobre minha espádua nua!...
MÁRIO
(distraído)
Não vês um anjo, que desce,
No frouxo clarão da lua?...
SÍLVIA
Mário? Não vês quem te chama?...
Tua amante... Sílvia... a tua...
MÁRIO
(desmaiando)
É a morte que me leva
Num frio raio de lua!...
(o poeta cai semimorto sobre o leito.
No espasmo sua mão contraída prende uma trança da moça)
SÍLVIA
Teus brancos dedos fecharam
De meu cabelo a madeixa,
Tua amante não se queixa...
Bem vês... cativa ficou!
Mas não se prende o desejo
Que n’alma acaso se aninha!...
Nunca vistes a andorinha,
Que alegre o fio quebrou?
(Ouve-se um relógio dar horas)
Já! tão tarde! E embalde tento
Abrir-te os dedos fechados...
Como frios cadeados,
Que o teu amor me lançou.
Porém se aqui me cativas
Minh’alma foge-te asinha...
Nunca vistes a andorinha,
Que alegre o fio quebrou!...
(debruça-se a escrever numa carteira)
“Paulo! Vem à meia-noite...
Mário morre! Mário expira!
Vem que minh’alma delira
E embalde cativa estou...”
MÁRIO (que tendo lido por cima de seu ombro)
Sílvia! a morte abre-me os dedos,
És livre, Sílvia... caminha!
(morrendo)
Minh’alma é como a andorinha,
Que alegre o fio quebrou.
Uma Página de Escola Realista was written by Castro Alves.
Castro Alves released Uma Página de Escola Realista on Sat Jan 01 1870.