Prazer, Isis Hembe

[Letra de "Prazer, Isis Hembe (Além do Horizonte)" de Isis Hembe]

[Estrofe I]
Pego na caneta, mas hesito
Escrevo um cometa, mas evito
Causar estragos e por isso que eu rasto o papel
Então naufrago a dor que trago sobre a pele

Fecho os olhos e me vejo ainda menino
Onde selinho da morte quase selou-me destino
Clima de tenção num hospital em Odivelas
Nem a detenção da morte evitou sequelas

Os braços mal reagem, as pernas muito menos
Os pais quase não agem, se sentem bem pequenos
A pele arrepia quando o médico anuncia
Que o bebe sobreviveu, mas terá paralisia

Viveria em cirurgias, fisioterapias
O cenário ideal que a guerra negaria
Mas hoje faço barras para ter força e ter traquejo
De manter o rap no cafrique de um tetraplégico

[Refrão I]
O meu eu está para além da identidade
Um só caminho na busca da integridade
Peregrino nas entranhas do espírito
Dispo-me de mim, espiritualidade
Muito prazer, Muito prazer, Isis Hembe (3x)
Isis Hembe

[Estrofe II]
A adolescência revelou o adorno
Da seletividade de corpos e da dor no
Olhar dos descartados impedidos de conduzir
A própria vida eles dizem que estão descartados

Na vida pessoas com deficiência há uma sentença
Tu estás condenado a excelência
O Stephen Hawking é a tua única referencia
Então o vermelho na pauta vai parecer indolência

Porque amnésia está por traz dessa abordagem
Quem vai lembrar que sobrevives a margem
Quem vai lembrar que há poucos livros em braile
Então me livro do baile eu não me crivo no vale

Do capacitismo leviano e discriminatório
Que cobra duas vezes mais a quem tem duas vezes menos
Com um cinismo quem é insano e intimidatório
Mas que já não rouba a minha paz, medido nisso sereno

[Refrão II]
O meu eu está para além da identidade
Um só caminho na busca da integridade
Peregrino nas entranhas do espírito
Dispo-me de mim, espiritualidade
Muito prazer, Muito prazer, Isis Hembe (3x)
Isis Hembe

[Estrofe III]
Ofereço a minha excelência num papel de lustre
Como sinal de resistência não para ser ilustre
Talvez nem resistência seja a palavra que ilustre
Porque lá na minha essência não é isso que me nutre

Não espero nada desse mundo
Porque quem espera legitima a falta
E no final padece muito
O preço de não ser profundo é ir pro fundo
Do poço da expectativa alta
Onde desaparece tudo

Todos referenciais da diferença
Somos todos originais por excelência
Por isso canto a dança de corpos que não se movem
Grito a poesia dos ouvido que não ouvem

Frustro os que me querem digno de pena
Só reivindico o meu direito a ter uma vida plena
Não apelo a assistência tutelar
Da minha vida sei que posso ser o titular

[Refrão III]
O meu eu está para além da identidade
Um só caminho na busca da integridade
Peregrino nas entranhas do espírito
Dispo-me de mim, espiritualidade
Muito prazer, Muito prazer, Isis Hembe (3x)
Isis Hembe