Clara

Ela não queria ser capa de revista
Ela não queria ser atriz nem artista
O sonho dela era tornar-se um dia jornalista
Apresentar na TV um programa de entrevista

Deixa-me contar-te a história corriqueira
De uma pobre miúda negra, sem eira nem beira
Clara de seu nome não escapava à ironia
De cada vez que um puto parvo consigo se metia
Teve que estudar o dobro do resto dos alunos
Adoecia sem recobro de males inoportunos
Trabalhava fora de horas para ajudar nos gastos
Sem tempo pra distrações, sempre de rastos
Tinha a forte convicção ancorada na inteligência
Que a dedicação lhe traria valência
Aí viria a experiência e toda a sapiência
Necessária para uma carreira de excelência
Acabou o curso com melhor nota da escola
Candidatou-se a estágios, mas ninguém lhe deu bola
O que as pessoas pensavam, mas nunca lhe foi dito
No segundo ato já irá ser descrito

Ela não queria ser capa de revista
Ela não queria ser atriz nem artista
O sonho dela era tornar-se um dia jornalista
Apresentar na TV um programa de entrevista

“Procure outro emprego, esse aí não
A sua cor não é a standard da instituição
Passe numa loja e peça um soutien cor de pele
Vai ver que é quase rosa, não castanho mel
Onde é que já se viu, um abuso desse tamanho
Lá porque se instruiu quer sair do rebanho
Já quer ver que não é estranho
Mostrar esse arreganho
Guarde lá o empenho
Para quando canta no banho
Ouça: que mal tem, viver de fazer limpezas?
Quem sabe no futuro servir às mesas
A vida é mesmo assim, feita de surpresas
É preciso é ter fé, cortar nas despesas
Vocês agora até já descontam
Andam na rua e as pessoas nem apontam
Não queiram tudo de uma vez enquanto contam
Mais um bairro que desmontam”

A história de Clara acabou por ter um final feliz:
Depois de muitas batalhas, ganhou a sua guerra e
Conseguiu fazer aquilo que sempre quis
Contra tudo e todos, sem ajudas, benesses, uma cunha ou arranjinho
Criou um canal digital com uma audiência brutal e desbravou o seu próprio caminho