Era noite invernosa e o vento desabrido
Num louco galopar ferozmente rugia
Vergastando os pinhais pelos campos corria
Como um triste grilheta ao degredo fugido
Num antro pestilento, infame e corrompido
Imagem de bordel, cenário de caverna
Vendia-se veneno à luz duma lanterna
À turba que se mata ingerindo aguardente
Estava um jovem pintor atrofiando a mente
Encostado sem brio ao balcão da taberna
Rameiras das banais, num doido desafio
Exploravam do artista a sua parca féria
E ele na embriaguez do vinho e da miséria
Cedia às tentações daquele mulherio
Nem mesmo a própria luz nem mesmo o próprio frio
Daquele vazadouro onde se queima a vida
Faziam incutir à corja pervertida
Um sentimento bom de amor e compaixão
P'lo ébrio que encostava a fronte ao vil balcão
De nauseabunda cor e tábua carcomida
Encostado sem brio
Ao balcão da taberna
De nauseabunda cor
E tábua carcomida
O bêbado pintor
A lápis desenhou
O retrato fiel
Duma mulher perdida
O bêbado pintor
A lápis desenhou
O retrato fiel
Duma mulher perdida
Impudica mulher
Por entre o vil bulício
De copos tilintando
E de boçais gracejos
Agarrou-se ao rapaz
E cobrindo-o de beijos
Perguntou-lhe a sorrir
Qual era o seu oficio
Agarrou-se ao rapaz
E cobrindo-o de beijos
Perguntou-lhe a sorrir
Qual era o seu oficio
Ele a cambalear
Fazendo um sacrifício
Lhe diz a profissão
Em que se iniciou
Ela escutando tal
Pedindo alcançou
Que então lhe desenhasse
O rosto provocante
E num sujo papel
As feições da bacante
O bêbado pintor
A lápis desenhou
Retocou o perfil
E por baixo escreveu
Numa legível letra
O seu modesto nome
Que um ébrio esfarrapado
E o rosto cheio de fome
Com voz rascante e rouca
À desgraçada leu
Que um ébrio esfarrapado
E o rosto cheio de fome
Com voz rascante e rouca
À desgraçada leu
Esta, louca de dor
Para o jovem correu
Beijando-lhe muito o rosto
Abraça-o de seguida
Era a mãe do pintor
E a turba comovida
Pasma ante aquele quadro
Original, e estranho
Enquanto o pobre artista
Amarfanha o desenho
O retrato fiel
Duma mulher perdida