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Acordei a querer deixar-te um bilhete
Na verdade tinha a mente focada
Mas estava refém dum corpo dormente
Não sei se fui eu ou a rotina
Não sei se foi o confronto de uma sala vazia
Mas sabotei o propósito e servi-me de café
Precisava de morno, bebi-o quente

Nunca as cores dos teus livros na prateleira estiveram tão vivas
Nunca as histórias de amor saltaram tanto à vista
Considerei a hipótese de ser a cabeça a pregar partida
Ou o corpo em resposta a perigo iminente a gritar por adrenalina
Tal como o adulto enganaria a criança que estivesse perdida

Acordei a querer deixar-te um bilhete
Isento de culpa, ego
E só honestidade de quem nunca te mente
Eventualmente chegarias à sala
Viva de livros e histórias diferentes
Diferentes da nossa e não tão intensas
Para te sentares no lugar que ocupo no teu sofá
E leres com amargura o meu último capítulo

Por favor nunca consideres o egoísmo
Quando se trata do meu abismo
E a falta de vontade que me engoliu de repente
Lembro-me de achar que não seria genético
Que não me iria matar e considerá-lo poético
Lembro-me de encontrar família num cenário pouco ético
Tentar não acreditar que no meu quarto de criança
Alguém se tinha trancado pra morrer com algo sintético
Achei que não era genético

Sempre me pediste que fosse mais arrumado
Eu que até desço a tampa da sanita porque já tive gato
Usas como argumento o teu OCD
Mas o que eu não vi é que também eu já fui assim no passado

Da mesma maneira que um homicida que matou por impulso
Não considera as provas que ficam para trás para o acusar
A tua mesa da sala ficou com os restos da noite anterior
E que eu acabei por não arrumar
Tive medo de te escrever sobre as minhas dores
Eu que nunca fui de desabafar
E que o destino decidisse com humor
Que não ias ler por não encontrar

Hoje acordei a querer deixar-te um bilhete
Mas a mesa de centro estava desarrumada
Não pude arriscar que não encontrasses nada
E o relógio marcava 11:11