Lancei ao mar um madeiro
Espetei-lhe um pau e um lençol
Com palpite marinheiro
Medi a altura do Sol
Deu-me o vento de feição
Levou-me ao cabo do mundo
Pelote de vagabundo
Rebotalho de gibão
Dormi no dorso das vagas
Pasmei na orla das prais
Arreneguei, roguei pragas
Mordi pelouros e zagaias
Chamusquei o pêlo hirsuto
Tive o corpo em chagas vivas
Estalaram-me a gengivas
Apodreci de escorbuto
Com a mão esquerda benzi-me
Com a direita esganei
Mil vezes no chão, bati-me
Outras mil me levantei
Meu riso de dentes podres
Ecoou nas sete partidas
Fundei cidades e vidas
Rompi as arcas e os odres
Tremi no escuro da selva
Alambique de suores
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores
Moldei as chaves do mundo
A que outros chamaram seu
Mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu
O meu sabor é diferente
Provo-me e saibo-me a sal
Não se nasce impunemente
Nas praias de Portugal