O Fidalgo

Gil-vicente

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O Fidalgo by Gil Vicente

Release Date
Sun Jan 28 0001
Performed by
Gil-vicente

O Fidalgo Annotated

No presente auto, se imagina que, no momento em que acabamos de expirar, chegamos subitamente a um rio que, por força, devemos cruzar em uma das duas barcas que naquele porto estão. Uma delas leva ao Paraíso; a outra, ao Inferno. Cada barca tem um barqueiro na proa: a do Paraíso, um anjo; a do Inferno, um diabo e seu companheiro.
O primeiro que surge é um Fidalgo, que chega com um pajem que lhe segura a longa cauda do manto e carrega uma cadeira.
E começa o barqueiro do Inferno, antes que o Fidalgo chegue.

DIABO – (ao companheiro)
À barca, à barca! Vamos lá!
Que é mui boa a maré!
Puxa a vela pra cá!

COMPANHEIRO - Feito! Feito!

DIABO – Bem está!
Vai ali e, sem demora,
estica bem aquela corda
e libera aquele banco para a gente que virá.

À barca, à barca, uuh!
Depressa! Temos que ir!
Ah! Bom tempo de partir!
Louvores a Belzebu!

Ora, pois, que fazes tu?
Desocupa esse espaço!

COMPANHEIRO – É pra já! Pronto, está feito!

DIABO – Abaixa logo esse rabo!
Deixa preparado o cabo
E ajeita a corda de içar.

COMPANHEIRO- Vamos lá! Içar, Içar!

DIABO – Oh! Que caravela esta!
Põe bandeiras, que é festa!
(vendo um Fidalgo que se aproxima)
Oh! Poderoso dom Henrique!
Vós aqui? Que coisa é esta?

Vem o FIDALGO acompanhado de um rapaz com uma cadeira. Chegando á barca do Inferno, diz:

FIDALGO- Esta barca, que sai agora,
Aonde vai tão preparada?

DIABO- Vai para a ilha danada
E há de partir sem demora.

FIDALGO- Para lá vai a... senhora?

DIABO- (corrigindo irritado)
Senhor!... A vosso serviço

FIDALGO- Isso parece um cortiço.

DIABO- Porque olhais lá de fora.

FIDALGO- A que terra passais vós?

DIABO- Para o inferno, senhor.

FIDALGO- (irônico)
Hum! Terra bem sem sabor!

FIDALGO- E passageiros achais
Para tal embarcação?

DIABO- Oras pois, tu és a cara
Dessa embarcação!

FIDALGO- Parece-te mesmo assim?

DIABO- Onde esperas salvação?

FIDALGO- Eu deixo na outra vida
Quem reze sempre por mim.

DIABO- Quem reze sempre por ti?
Hi,hi,hi,hi,hi,hi,hi.
Tu viveste a teu prazer
Pensando aqui ter perdão
Porque lá rezam por ti?
Embarca já!

FIDALGO – (apavorado)
Quê?! É assim que a coisa vai?

DIABO – (impaciente)
Embarcai! Embarcai logo!
Segundo o que lá plantastes
Agora aqui recebereis.
E como a morte já passastes,
Passei agora este rio.

FIDALGO – Não há aqui outro navio?

DIABO – Não, senhor, que este reservaste,
Pois tão logo morrestes....
Tínheis me dado o sinal.

FIDALGO – (confuso, sem compreender nada)
Sinal? Qual foi o sinal?

DIABO – A boa vida que levastes!

FIDALGO – (dirigindo-se à barca do Paraíso)
A esta outra barca me vou.
(gritando para o Anjo que está na barca)
Olá! Pra onde partis?
(o Anjo não responde)
Ó barqueiro, não me ouvis?!
Respondei-me! Olá! Hou!...
Por Deus, mal arranjado estou...
Mas isto agora é pior...
Que bestas!... Não me entendem...

ANJO – (aproximando-se)
Que mandais?

FIDALGO – Diga se a barca do paraíso
É esta em que navegais?

ANJO – É esta. Que desejais?

FIDALGO – Que me deixeis embarcar.
Sou de família nobre
E é bom que me recolhas nesta tua barca.

ANJO _ Não se embarca tirania
nesta barca divinal.
Para vossa fantasia
bem pequena é esta barca!

FIDALGO – Para um senhor com minha marca
não há aqui mais cortesia?
(arrogante)
Entrarei nem que seja na marra,
levai-me ao paraíso!

ANJO – (com firmeza e autoridade)
Não vindes vós de maneira
para entrar neste navio.
(apontando para a barca do Inferno)
Esse outro vai mais vazio.
A cadeira entrará (apontando para o Fidalgo)
e o rabo caberá...
E todo o vosso senhorio.
Ireis lá mais espaçoso,
Sois um tirano
Desprezastes os pequenos,
agora sereis tanto menos
quanto mais fostes pretensioso.

DIABO – À barca, á barca, senhores! (Arrastando o Fidalgo)
Oh! Que maré tão jeitosa!
Uma brisa bem gostosa
e valentes remadores!

(cantarolando)
Virão todos às minhas mãos,
Às minhas mãos todos virão.

FIDALGO – (tristemente conformado)
Ao inferno!
Ó triste!
Enquanto vivi
não pensei que ele existia,
pensei que era fantasia.
Gostava de ser adorado,
e não vi que me perdia. (se aproxima da barca desanimado e chorando, mas não entra)

(humildemente pede ao diabo)
FIDALGO – Dá-me licença, te peço,
para ir ver minha mulher?

DIABO – (rindo) Ela, pra não te ver,
se jogará de cabeça
no fundo de um precipício... (gargalhando)
Ainda hoje ela rezou,
dando graças infinitas,
pois de ti se libertou.

(impaciente)
Entrai, meu senhor, entrai!

(ao companheiro do diabo)
Arrume a ponte
Para o precioso passar!

(ao fidalgo)
Coloque o pé!

FIDALGO – (entrando na barca, demonstrando tristeza)
Entrarei, pois assim é que é...

DIABO – Ora, agora descansai,
enquanto chega mais gente.

FIDALGO – (gritando) Ó barca, como és ardente,
maldito quem aqui vai!

DIABO – (ao rapaz,pajem do Fidalgo, com a cadeira)
Tu não entras! Sai daqui!
Que essa cadeira é demais.
Coisa que esteve na igreja
não se há de embarcar aqui

(apontando o Fidalgo)
Ele uma outra terá,
uma outra de marfim,
toda enfeitada de dores,
com tantos e tais primores
que estará fora de si...

O Fidalgo Q&A

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Gil-vicente released O Fidalgo on Sun Jan 28 0001.

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