Em noite de quarta-feira
Andando eu de viagem
Palmilhando caminhos
Um mês sem casa nem beira
Descansei num valado
Com gente sozinha
Falavam de coisas antigas
E ficavam calados
Sempre que um de nós partia
Da noite feita de mistérios
Trauteavam então cantigas
Sobre uma casa vazia
Cinza de sete lares
E vêm bruxas aos pares
Há festa quem diria
Lá p'rá casa vazia
Quis saber de notícias
Vida morte ou alegria
Tristeza o que seria?
Responderam velhos avisados
Em coro de fanados
Apenas a casa vazia
Despedi-me então e parti
Deixando atrás um silêncio
Feito de gestos benzidos
Fiz outra longa jornada
Com a garganta calada
E uma canção nos ouvidos
Cinza de sete lares
E vêm bruxas aos pares
Há festa quem diria
Lá p'rá casa vazia
Mais adiante encontrei
Dois andarilhos sentados
Rindo ou chorando não sei
Estavam como que prostrados
Chamando a minha atenção
Com amuletos na mão
Salva-te agora estrangeiro
Desta noite aziaga
Compra amuletos senão
Perdes a vida e o dinheiro
A sorte também se paga
Quer tu queiras ou não
Comprei asas de morcego
E uma perninha de rã
Para espantar o medo
Quando passei a encruzilhada
De susto quase morria
Diante daquilo que eu via
Casa enorme e iluminada
Carros de luxo, gente emproada
Em fidalguia perdida
Em beija-mãos repenicados
As damas de olhos borrados
Pareciam não ser desta vida
Era uma festa maldita
De perucas de gente fina
Uns bebiam, outros dançavam
Outros nadavam na piscina
Abraçavam-se em gritaria
Enquanto a casa rangia
Cinza de sete lares
E vêm bruxas aos pares
E há festa quem diria
Lá p'rá casa vazia
E junto àquela casa
Vi uma velha parada
No cimo da escadaria
E não parecendo assustada
Corri ao topo da escada
Seria a casa vazia
Respondeu-me a velha que não
Nunca houve casa vazia
Presta lá bem atenção
Isto é vida vazia
Da chamada burguesia
Com medo à revolução
É classe degenerada
Pela história condenada
Já há muito se dizia
E ouve lá meu trovador
Meu paspalhão, meu estupor
Já te estraguei a poesia
A moral desta história
A moral desta lição
A moral desta canção
É que só há casas vazias
Só há medo e cobardia
Com amuletos na mão