Chega-te a mim
Mais perto da lareira
Vou-te contar
A história verdadeira
A guerra deu na tv
Foi na retrospectiva
Corpo dormente em carne viva
Revi p'ra mim o cheiro aceso
Dos sítios tão remotos
E do corpo ileso
Vou-te mostrar as fotos
Olha o meu corpo ileso
Olha esta foto, eu aqui
Era novo e inocente
"Às suas ordens, meu tenente!"
E assim me vi no breu do mato
Altivo e folgazão
Ou para ser mais exacto
Saudoso de outro chão
Não se vê no retrato
Chega-te a mim
Mais perto da lareira
Vou-te contar
A história verdadeira
Nesta outra foto, é manhã
Olha o nosso sorriso
Noite acabou sem ser preciso
Sair dos sonhos de outras camas
Para empunhar o cospe-fogo e o lança-chamas
Estás são e salvo e logo
"Viver é bom", proclamas
Eu nesta, não fiquei bem
Estou a olhar para o lado
Tinham-me dito: eh soldado!
É dia de incendiar aldeias
Baralha e volta a dar
O que tiveres de ideias
E tudo o que arder, queimar!
No fogo assim te estreias
Chega-te a mim
Mais perto da lareira
Vou-te contar
A história verdadeira
Nesta outra foto, não vou
Dar descanso aos teus olhos
Não se distinguem os detalhes
Mas nota o meu olhar, cintila
Atrás da cor do sangue
Vou seguindo em fila
E atrás da cor do sangue
Soldado não vacila
O meu baptismo de fogo
Não se vê nestas fotos
Tudo tremeu e os terremotos
Costumam desfocar as formas
Matamos, chacinamos
Violamos, oh, mas
Será que não violamos
As ordens e as normas?
Chega-te a mim
Mais perto da lareira
Vou-te contar
A história verdadeira
Álbum das fotos fechado
Volto a ser quem não era
Como a memória, a primavera
Rebenta em flores impensadas
Num livro as amassamos
Logo após cortadas
Já foi há muitos anos
E ainda as mãos geladas
Chega-te a mim
Mais perto da lareira
Vou-te contar
A história verdadeira
Quando a recordo
Sei que quase logo acordo
A morte dorme parada
Nesta morada