E Tudo Era Delírio

[Verso: Telma]
E é assim que se ensina nas escolas como foi o fim da escravatura: uma princesa branca assinou um papel
Sim, é claro que este momento foi importante. Mas há outros personagens mais interessantes desta história. Do antes e do depois da abolição
Antes dela, há, por exemplo, Teresa de Benguela, a líder do quilombo do Quariterê, onde se refugiaram por vinte anos mais de uma centena de africanos e indígenas no intеrior do Mato Grosso
Há também o Dragão do Mar - alcunha de um pescador que lidеrou o movimento dos jangadeiro do porto do Ceará, que se recusavam a transportar os negros escravizados em seus barcos até os navios negreiros, para que estes seguissem na viagem até o Rio de Janeiro, onde seriam vendidos. E este ato de desobediência civil deu impulso a que o fim da escravatura acontecesse no Ceará quatro anos mais cedo do que no resto do Brasil
Só que isto não se aprende na escola
E se estes personagens foram substituídos pela imagem da "princesa branca assinando um papel", o esquecimento maior é de que se passou não antes, mas depois da abolição
Qual espaço na sociedade os negros libertos poderiam agora ocupar? Quem iria preparar estas pessoas para o ingresso numa nova organização do trabalho? Os seus antigos proprietários não se dispuseram a assumir esta responsabilidade. O estado brasileiros cruzou os braços. Mas então, com que recursos estas pessoas poderiam contar para construir uma nova vida, assim, do zero?
Considerando que a maior parte deles tinha passado uma vida e trabalho no campo, o acesso à terra seria uma solução, por exemplo. Mais isso implicaria numa reforma agrária, coisa que o estado brasileiro, dominado por latifundiários, jamais permitiria. Passaram-se 130 anos desde então, e até hoje não permitiu
Conclusão: ao abandonar à própria sorte 700 mil negros e negras, da noite para o dia, sem trabalho, sem educação, sem terra, e ainda por cima com o peso do racismo sobre as costas, a abolição brasileira trouxe a liberdade no papel, mas na prática plantou a semente da mais profunda desigualdade social
E é mais uma vez uma canção, um outro jongo, que capturou a cena mais triste de toda esta história: Um grupo de escravizados, recém-libertos pelo 13 de maio, que depois de sair em liberdade das terras do seu antigo senhor, agora voltam, cabisbaixos, pedindo por favor para serem aceites de volta. Por quê? Porque se dera conta de que simplesmente não tinham para onde ir