Diálogo by Nelson Cavaquinho (Ft. Sérgio Cabral)
Diálogo by Nelson Cavaquinho (Ft. Sérgio Cabral)

Diálogo

Nelson Cavaquinho & Sérgio Cabral * Track #13 On Depoimento do Poeta

Diálogo Annotated

[Nelson Cavaquinho & Sérgio Cabral]

— Você, você fala muito em morte ultimamente, eu até já falei com você pra parar com isso. Mas você, já teve alguma vez assim, medo de morrer, quer dizer, você já viu a morte muito de perto alguma vez?

— Eu não tenho medo de morrer, meu filho. É por isso que eu falo na morte sempre, Deus me livre, [...] eu sei que vou desaparecer algum dia por isso que eu falo muito na morte, porque sei que vou desencarnar aqui, e espero nascer na outra vida, pronto.

— Não, Nelson, eu quero que cê me conte aquela história do relógio.

— Bom, do relógio, é o seguinte: é que eu acordei, eu sonhei que ia morrer às três horas da manhã, então o relógio despertou duas e meia. Eu não quis chamar os vizinho, tinha muitos vizinho lá perto, perto do [?], né? Então, o relógio, eu digo assim, duas e meia eu sonhei que ia morrer três horas da manhã, o ponteiro foi subindo, subindo, eu digo "bom, quer saber de uma coisa? Eu vou fazer uma coisa, vamos a ver se dá certo o que eu estou pensando". Quando chegou cinco pras três eu botei o ponteiro pra meia noite, eu digo "eu não vou nessa de maneira nenhuma!".

— Nelson Cavaquinho, pra você qual é o maior compositor brasileiro?

— Oh Sérgio, eu conheço muitos e muitos, né? Mas eu, entre eles todos, um dos que eu devo apontar chama-se Cartola, de Mangueira. Foi quando eu iniciei que ele disse "Nelson, você promete, você na vida vai ser um grande compositor", parecia que eu já era Nelson Cavaquinho, agora graças a Deus eu sou Nelson.

— Você faz música desde quanto tempo?

— Uns 30 anos, mais ou menos. 35, né?

— Você pertenceu a alguma escola de samba?

— Não, nunca saí.

— Mas na Mangueira você foi já?

— Ah, Mangueira é o meu coração, né? [?] que eu fiz, aquelas coisas todas.

— Quer dizer, a tua escola de samba é a Mangueira?

— Mangueira.

— Qual é o teu time?

— Meu time chama-se Vasco.

— Muito bem. E você, das músicas que você fez, qual que você considera mais bem acabada? Assim, do ponto de vista musical.

— A que eu gosto mais é "Caridade", meu filho, que é o que eu sou, né?

— Mas a que você considera mais bem acabada, a melhor música pra você.

— É a que eu fiz com Guilherme de Brito, "A Flor e o Espinho".

— A "Notícia" também, você considera.

— "Notícia", essa é beleza né, meu filho? Todos gostam.

— Você já fez alguma música bêbado, de pileque?

— Ora, quantas vezes naquele botequim na Praça Tiradentes, [?] mas agora está tudo sendo destruído, eu não tenho nada a ver com isso. Eu só, quando eu passo lá eu tenho vontade de chorar.

— Me diz outra coisa, me diz o nome de uma música que você fez inteiramente de pileque.

— Foi "Notícia".

— Que por sinal é muito bonita. E me diz uma música que cê fez de ressaca.

— De ressaca? Foi "Palhaço".

— Aquele, que Dalvo de Oliveira gravou?

— É, a que Dalvo de Oliveira gravou.

— [?] Vem cá e você tem ideia de, se fosse somar tudo que cê já bebeu até hoje, quantos litros dava, hein?

— Não sei, parece que este prédio aqui não dava pra, não cabia todas as bebidas que eu bebi, né?

— Nelson Cavaquinho foi soldado da Polícia Militar, e tirava serviço no morro de Mangueira. Mas e no lugar de prender os malandros, ele amarrava, amarrava o cavalo lá fora e ia se juntar com os malandros pra cantar samba. E ficava até de manhã bebendo, tomando cachaça, e tal na tendinha. Mas um dia, ele foi pegar o cavalo e tinham roubado o cavalo. Como é que foi essa história, Nelson?

— Oh Sérgio, você quer saber de uma coisa? Eu vou ser franco a você, não é o que o Cartola disse, não. É que eu, em 1933 ou 34, eu estava rondando Mangueira e então parei, botei, amarrei a rédea do cavalo lá numa cerca qualquer e saí pra beber cana. Que quando eu me lembrei do cavalo, eu olhei lá pra cerca, num tava o cavalo mais amarrado ali, que tô, eu estou escangalhado, eu estou quase inutilizado. Mas felizmente não se deu nada porque o comandante da patrulha disse assim "Nelson, eu vou a cavalo e você vai de bongue", que naquele tempo existia a taioba, aquelas coisas. Mas eu tive tanta sorte, sempre Deus me ajuda, hein, que quando cheguei no quartel o sentinela nem viu eu entrar, eu entrei com o cavalo aquela coisa, e o cavalo tava comendo, tava na ração, né, estava no alimento dele, então eu disse assim "mas será possível?", o cavalo parecia coisa, parecia que estava rindo pra mim, sabe? "E mas será possível que esse bicho ainda tá rindo pra mim ainda?". E pro meu descansar, felizmente não fui excluído, que o meu mano resolveu, a pedir a minha, fazer a minha baixa, aquelas coisas todas, aquela estrutura da Polícia Militar. E graças a Deus não se deu nada de mal contra mim.

— Nelson Cavaquinho foi o pior soldado da Polícia Militar de toda a história, de toda a sua história.

— Parece.

— É, inclusive o Cartola conta que o Nelson tomava seus pileques lá na Mangueira, subia no cavalo, deitava, dormia e o cavalo ia direitinho lá pro quartel e tal, é verdade isso?

— Ah mas ora, pera aí, o cavalo ele parecia que gostava de mim. Eu também, o meu peso naquele tempo era muito pouco, né? Ele gostava de mim, [?]. Mas o Cartola parece que não falou a verdade, não, o cavalo botar pra dormir, não pode se acreditar nisso.

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