[Letra de "Dei um Gelo Nela" com Elisa Lucinda]
"Dei um Gelo Nela"
O poema da geladeira
Estava há uma semana vazia
Fazia dias que ela não gelava, senão água
Até que choveu na minha conta outro dia
então saí, comprei aves, peixes, lagostas, camarões
Olhei pra ela, 'tava cheia, chuchus sorriam pra mim:
"Há quanto tempo..." — diziam
Uvas e beterrabas batiam palminhas do reencontro
Até a galinha morta era feliz por mim
Dormi só pensando em receitas boas
'Cês acreditam que de manhã
um carrasco havia sido pago pra levá-la?
Ela que nunca foi minha
liguei pra dona, me humilhei sozinha
dentro do discurso justo de que eu sou artista
e por isso inconstante na economia
e a dona nada, não cedia!
O carrasco ia levar minha deusa
a minha neve possível, minha geada de estimação
À hora marcada, chorei agarrada àquela cônsul
mimada demais por mim, tão adotiva, tão afetiva
eu agarrada a ela, pedia, gemia, e ela, nada, ela fria
desligada, já não me dava nem gelo mais
Fiquei sem patrimônio, sem preservação de alimentos
Fiquei sem centro a zombar de mim
Até que me lembrei dos meus bens:
a coragem, a beleza, a força, a esperteza
coisas que não se encontram em pontos-frios
coisas que não são substituíveis por um isopor
Então, eu já amanheci pondo os coentros nas jarras
como se fossem flores, curei minhas dores sem congelamento
Me virei por dentro, onde tudo é mantido quente e vivo
Tirei tudo de letra e de ouvido como quem tira uma música!
Dei um Gelo Nela was written by Elisa Lucinda.